Primeiras projeções da história do cinema

Por Guido Bilharinho (Poeta, ensaísta, advogado e editor - Foi editor da revista internacional de poesia “Dimensão” " e da revista “Convergência” da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. Autor de diversos livros sobre cinema, como “O Cinema de Bergman, Fellini e Hitchcock”, “Os Clássicos do Cinema Mudo”, “Cem Anos de Cinema”, entre outros. É membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, da qual foi presidente. Seu Blog e e-mail )
“Para quem gosta de cinema (e salas de cinema), é interessante ficar sabendo como a Sétima Arte foi criada. O texto de Guido Bilharinho é excelente e resumido, se tornando uma agradável e curiosa leitura.” – Antonio Ricardo Soriano
Evolução dos experimentos mecânicos
A invenção do cinema (6.000 a.C. – 1895)
Das Sombras Chinesas ao Cinematógrafo Lumière
O ato de captar, reter e transmitir a imagem em movimento não constitui obra de um momento. Como qualquer invenção, representa não o início, mas, o ápice e o término de longo processo. Muitos séculos de buscas e experimentos, em vários países, confluem para o nascimento do cinema, em 1895.
As sombras chinesas
__________ Os primeiros espetáculos visuais foram as sombras chinesas obtidas originalmente com as mãos e pequenos acessórios
Desde as manifestações das sombras chinesas ao cinematógrafo dos irmãos Lumière percorrem-se não séculos, mas, milênios. Mas, lá, nessa temporalmente longínqua prática, encontra-se a primeira e exitosa tentativa de apreender, transmitir e dar significado ao movimento em seu fluxo natural. Desde 6.000 (seis mil) anos a.C., os chineses e depois os javaneses e indianos utilizam-se - em diversões, ritos e na arte bélica - de espetáculos, consistentes em sombras de pessoas, animais e coisas movimentando-se sobre iluminada parede branca. Atualmente, mesmo que possam a considerar rudimentar, a técnica empregada nas sombras chinesas permaneceu insuperável até o século XIX.
Período Helenístico (séc. III a.C. a séc. II d.C.)
No longo caminho para a criação do cinema, novo passo relevante consiste nos experimentos ópticos levados a efeito pelos cientistas gregos Euclides (séc. III a.C.), Arquimedes (287-212 a.C.) e Ptolomeu (90-168 d.C.).
O princípio da câmara escura de Da Vinci (séc. XV)
Leonardo Da Vinci (1452-1519) é considerado o primeiro ser humano a ter noção completa do fenômeno cinematográfico. Seu princípio da câmara escura, enunciado no “Codex Atlanticus”, representa considerável contribuição para a futura criação do cinema, já contendo referências ao relevo e à cor.
A câmara escura de Della Porta (séc. XVI)
__________ Gravura antiga que reproduz uma câmara escura: através de lentes e espelhos, as imagens externas são projetadas dentro da sala
O físico italiano Giambattista Della Porta (1535-1615), contemporâneo de Shakespeare (1564-1616), com base no enunciado de Da Vinci, constrói a câmara escura, que torna possível a fotografia e o cinema.
A lanterna mágica de Kirscher (séc. XVII)
__________________ Lanterna mágica marca "Lapierre"
Atribui-se ao jesuíta alemão Athanasius Kirscher (1601-1680), a construção da lanterna, que deriva e é uma inversão da câmara escura. Enquanto nesta, as imagens são projetadas de dentro para fora, naquela o são de fora para dentro. Torna-se a lanterna uma diversão popular.
O fantascópio de Robertson (séc. XVIII)
_____________________________ Robertson com seu fantascópio aperfeiçoou a lanterna mágica, inclusive dando-lhe movimentos e fazendo fusões de imagens
O físico belga Robertson, valendo-se da câmara escura de Della Porta e da lanterna mágica de Kirscher, inventa o fantascópio, criando os "espetáculos de fantasmagorias".
Multiplicação das invenções (séc. XIX)
O que se desenvolve lentamente no passar dos séculos, às vezes com enormes hiatos, acelera-se consideravelmente no século XIX. Inúmeros inventos e aperfeiçoamentos são, então, criados e efetuados, confluindo, finalmente, no cinema. Entre outros, citam-se:
1- Fenacistocópio ou Fenaquisticópio (entre 1828 e 1832), do belga Joseph Plateau (1801-1883), um dos primeiros cientistas a estudar a persistência retínica da imagem, donde deduz que para uma série de imagens fixas dar a impressão de movimento é necessário que se sucedam no ritmo de dez imagens por segundo.
Fenaquisticópio
2- Estroboscópio (entre 1828 e 1832), do austríaco Simon Von Stampfer (1792-1864), semelhante ao aparelho de Plateau.
3- Zootrópio (1834), do britânico William George Horner (1786-1837), construído a partir do fenacistoscópio, mas, já apresentando certos avanços.
Zootrópio
4- Fotografias do Movimento, do britânico Eadweard Muybridge (1830-1904), que tirou fotografias instantâneas de um cavalo correndo. Ele dispôs 24 câmeras alinhadas, uma ao lado da outra, em uma pequena extensão de uma pista de corrida. Através de cordões esticados - ligados ao obturador de cada câmera - o cavalo sucessivamente rompia cada cordão, disparando os obturadores.
__________ As primeiras fotografias do movimento feitas com sucesso
5- Revólver Astronômico (1864), do francês P. J. Janssen, construído sob o influxo do "revólver" inventado, em 1830/35, pelo norte-americano Samuel Colt (1814-1862), fotografando praticamente sem solução de continuidade um eclipse do sol.
6- Fuzil Fotográfico, do médico francês Étienne Jules Marey (1830-1904), baseado no princípio do revólver de Janssen, registrando 12 imagens por segundo.
7- Fuzil Fotográfico aperfeiçoado, na Grã-Bretanha, pelo francês L. A. Auguste Leprince (1842-1890), com utilização, pela primeira vez, de películas perfuradas.
8- Praxinoscópio (1877), do francês Émile Reynaud (1844-1918), que se serve das películas de celulóide perfuradas lateralmente e engrenadas nos dentes do aparelho. É considerado, por isso, o inventor do filme cinematográfico, patenteado em 1888.
__________ Reynaud mostrando no praxinoscópio o seu Teatro Ótico, onde apresentava as "pantoninas luminosas" com bandas pintadas em celulóide
9- Fonoscópio, criado em 1891 pelo francês Georges Demeny, reconstituindo, pela primeira vez, os movimentos de uma pessoa falando.
10- Cinetógrafo (inventado em 1889 e apresentado ao público em 1891) e Cinetoscópio (apresentado ao público em 1894), do norte-americano Thomas Alva Edison (1847-1931). A importância desses aparelhos, aliados ao * fonógrafo, outro invento de Edison, com o qual, conjugado ao cinetoscópio, já pretende sincronizar voz e imagem, levam muitos estudiosos do assunto a considerá-lo o inventor do cinema.
____________________ Thomas A. Edison, após inventar o fonógrafo, inventou o filme projetado para fazer a imagem acompanhar a música. Preocupado com o problema da comercialização do invento, fechou o cinema numa caixa para visão individual, com caça-níqueis, criando assim o seu cinetoscópio. Na imagem, esquema de funcionamento de um cinetoscópio
__________ Salão de exibição de cinetoscópios em San Francisco, 1899
11- Contribuições paralelas. Não só na invenção de aparelho destinado a capturar a imagem em movimento reside à criação do cinema. Inúmeras experiências e descobertas em outras áreas são também fundamentais e indispensáveis. Nesse sentido, é de se lembrar, principalmente: a) pesquisas e estudos efetuados e conhecimentos obtidos em fotoquímica e fisiologia, nesta porque o processo fílmico assemelha-se ao olho humano; b) invenção da fotografia, elemento primário da realização fílmica, procedida, em 1822, pelo francês Nicéphore Niepce (1795-1833), ao fixar numa chapa de metal a primeira imagem fotográfica depois de nove horas de exposição, tempo reduzido posteriormente pelo também francês Louis Jacques Mande Daguerre (1789-1851), para meia-hora e ainda menos tempo com a invenção do daguerreótipo, gravando-se a imagem a vapor de mercúrio. Em 1851, R. L. Maddox descobre a fotografia instantânea com o uso de gelatino-brometo, sem o que também não seria possível o cinema; c) película de celulóide perfurada, inventado pelo norte-americano George Eastman (1854-1932), em 1884.
A invenção do cinema
O momento final dessa evolução e desses experimentos (e inicial de uma nova era), ou seja, o da invenção do cinema, é questão um tanto tormentosa.
Para os norte-americanos, seu inventor é Thomas Edison , porque a 22 de maio de 1891, antes, pois, de qualquer outro, apresenta publicamente o cinetoscópio, inventado em 1888. E, porque, a 14 de abril de 1894, no Kinetoscope Parlor, na Broadway, é realizada a primeira sessão pública paga. Ou, ainda, porque, a 20 de maio de 1895, em Nova York, é efetuada a projeção de um filme de boxe de quatro minutos.
Para os segundos, o invento é alemão, porque, a 1º de novembro de 1895, ocorre, em Berlim, uma sessão cinematográfica também pública e paga, organizada por Max e Emil Skaladanowski, utilizando o bioskop, aparelho de sua invenção, antecedência esta reconhecida e registrada por Georges Sadoul no “Dictionnaire dês Cinéastes”.
Para os últimos, a glória é francesa, porque, além do cinematógrafo dos Lumière, o também francês e aperfeiçoador do fuzil fotográfico, Louis Aimé Auguste Leprince, em novembro de 1888, filma, em Leeds, na Grã-Bretanha, o jardim da residência de seu sogro.
O cinematógrafo
________________ Auguste e Louis Lumière, os inventores oficiais do cinema
Finalmente, como decorrência, síntese e evolução de todos esses e, segundo se calcula, outros mais de 100 (cem) experimentos, tentativas e conquistas, surge, em 1895, o cinematógrafo, dos irmãos Louis (1864-1948) e Auguste (1862-1954) Lumière, considerados os inventores do cinema. Os Lumière, Louis e Auguste, trabalharam, secretamente, na indústria do pai, em Lyon, em seu projeto, a partir, principalmente, das conquistas efetuadas por Edison, as mais avançadas até então.
No ano mais marcante da história do cinema, 1895, patenteiam seu invento, a 13 de fevereiro. Promovem, a 22 de março, sua primeira sessão cinematográfica, na Societé d’Encouragement à l’Industrie Nationale, dando a luz, nessa ocasião, ao filme “La Sortie dês Usines Lumière”. Realizam, nos meses seguintes, diversas exibições desse e de outros filmes, em associações e congressos científicos. Finalmente, no dia 28 de dezembro, promovem sua primeira e histórica sessão pública paga, no subsolo do Grand Café, sito no Boulevard dês Capucines, 14, Paris, data e lugar oficiais do nascimento do cinema. Entre os presentes, Georges Meliès. Na oportunidade exibem 10 (de) filmes, realizados por Louis Lumière, nenhum deles ultrapassando a duração de 2 (dois) minutos, mas, todos de importância histórica e estética absolutamente não antevista ou imaginada por seu realizador.
A reação, como não poderia deixar de ser, é, mais do que qualquer outra coisa, de excitação, como registra a história, sem no entanto, passar despercebido, no mesmo momento da projeção, o alcance do novo invento pelo jornalista Louis Forest, ao dizer para uma artista a seu lado que zomba do que considera brinquedo de feira: “assistimos a um dos mais extraordinários momentos da humanidade: encontraram o idioma universal”.
Parte do texto do capítulo “Evolução dos experimentos mecânicos – A invenção do Cinema (6.000 a.C. – 1895)” do livro “Cem anos de Cinema”, de Guido Bilharinho - Instituto Triangulino de Cultura - Uberaba - MG - 1996. Publicação autorizada pelo autor.
* Fonógrafo - Thomas Alva Edison inventou, em 1877. o fonógrafo. Aparelho capaz de gravar informações sonoras em um cilindro que girava em torno de seu próprio eixo. Uma espécie de estilete fazia sulcos nesse cilindro, correspondentes às vibrações sonoras, o que permitia reproduzir esses sons posteriormente. Em 6 de dezembro de 1877, fez uma gravação de si mesmo recitando "Maria Tinha um Cordeirinho" que existe até hoje. Seu primeiro fonógrafo, chamado por ele de "máquina falante", era movido por uma manivela, mas o ritmo do som era tão inconstante que, em 1878, ele construiu um outro aparelho com motor elétrico. Em 1886, ele desenvolveu um modelo melhorado de fonógrafo em parceria com Charles Summer Tainter (1854-1940) e Chichester Bell, primo de Alexander Graham Bell, o inventor do telefone e das gravações em cera do fonógrafo de Edison.
Para quem quiser se aprofundar no tema "história do cinema", segue abaixo algumas dicas de livros:
Do Cinetoscópio ao Cinema Digital - Breve História do Cinema Americano – Autor: A. C. Gomes de Mattos – Editora: Rocco
Vocês Ainda Não Ouviram Nada – Autor: Celso Sabadin – Editora: Lemos Editorial
A Grande Arte da Luz e da Sombra: Arqueologia do Cinema - Autor: Laurent Mannoni -Tradução de Assef Kfouri - Editora: Senac São Paulo
Cem Anos de Cinema - Autor: Guido Bilharinho - Editora: Instituto Triangulino de Cultura

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BIBLIOGRAFIA DO SITE

PRINCIPAIS FONTES DE PESQUISA

1. Arquivos institucionais e privados

Bibliotecas da Cinemateca Brasileira, FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Mackenzie.

2. Principais publicações

Acervo digital dos jornais Correio de São Paulo, Correio Paulistano, O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo.

Acervo digital dos periódicos A Cigarra, Cine-Reporter e Cinearte.

Site Arquivo Histórico de São Paulo - Inventário dos Espaços de Sociabilidade Cinematográfica na Cidade de São Paulo: 1895-1929, de José Inácio de Melo Souza.

Periódico Acrópole (1938 a 1971)

Livro Salões, Circos e Cinemas de São Paulo, de Vicente de Paula Araújo - Ed. Perspectiva - 1981

Livro Salas de Cinema em São Paulo, de Inimá Simões - PW/Secretaria Municipal de Cultura/Secretaria de Estado da Cultura - 1990

Site Novo Milênio, de Santos - SP
www.novomilenio.inf.br/santos

FONTES DE IMAGEM

Periódico Acrópole - Fotógrafos: José Moscardi, Leon Liberman, P. C. Scheier e Zanella.

Fotos exclusivas com publicação autorizada no site dos acervos particulares de Joel La Laina Sene, Caio Quintino,
Luiz Carlos Pereira da Silva e Ivany Cury.

PRINCIPAIS COLABORADORES

Luiz Carlos Pereira da Silva e João Luiz Vieira.

OUTRAS FONTES: INDICADAS NAS POSTAGENS.