Por Francisco Noriyuki Sato (Formado em jornalismo e publicidade pela Universidade de São Paulo, escreve sobre história e cultura japonesa. É autor do livro "História do Japão em Mangá", do álbum "Filosofia do Samurai na Administração Japonesa", e adaptou o livro "Xintoísmo em Mangá" para o português)
Para falar desse assunto, visitamos o Sr. Susumu, único sobrevivente dos irmãos da família Tanaka, que foi proprietária do cine Niterói.
Susumu Tanaka nasceu em Osaka, no Japão, e veio para o Brasil em 1923, com 10 anos de idade. Trabalhando na roça, passou por diversas fazendas cafeeiras em São Paulo e Paraná, até que chegou a Santa Mariana, no Paraná, junto com sua família. Nessa cidade, os irmãos Tanaka prosperaram bastante, primeiro como cafeicultores e depois como comerciantes de café e feijão.
Yoshikazu Tanaka, o irmão mais velho, tinha 7 anos a mais de idade do que Susumu. Tendo trabalhado como repórter num pequeno jornal no Japão, estava mais habituado à vida urbana, e também era o que tinha a saúde mais frágil dos três irmãos homens da família. Por isso, Yoshikazu atuava mais com compras e vendas, viajando constantemente. O comércio de feijão dos irmãos ia tão bem, que quando Yoshikazu visitava a Bolsa de Cereais de São Paulo, era chamado de “Rei do Feijão”.
Com o falecimento precoce do patriarca, o irmão mais velho Yoshikazu assumiu todo o direcionamento dos negócios da família, como acontecia entre os japoneses naquela época. Na década de 50, o irmão mais novo,
Iwao, tinha uma serraria em Uraí, também no Paraná, e todos os negócios estavam indo bem. Tão bem que Susumu estava comprando uma fazenda cafeeira de 200 alqueires em Cornélio Procópio, mas no dia de fechar o negócio, na propriedade em questão, apareceu Yoshikazu de surpresa.
“Você vai mesmo comprar essa propriedade?”, perguntou o mais velho. Depois de um rápido diálogo, Susumu desistiu do negócio, porque Yoshikazu tinha uma idéia que acabaria mudando a vida dos
imigrantes japoneses no Brasil. Ele queria fundar uma sala de cinema!
O idealista Yoshikazu Tanaka lutou muito, comprou o terreno da Rua Galvão Bueno e construiu um cinema do zero, sem ter tido qualquer experiência anterior. Viajou ao Japão e fez acordo com a distribuidora
Toei para exibir as películas dessa grande empresa, no momento em que o Japão vivia o “boom” de produção cinematográfica. Parte das madeiras veio da serraria de Iwao, e o capital necessário saiu do comércio de feijão de Santa Mariana. “Esse cinema não foi construído de cimento, esse cinema foi feito com feijão”, teria dito Katsuzo Yamamoto, cerealista e amigo da família, no discurso de inauguração do cinema.
O capital gasto foi surpreendente para a época.
Além da grande sala de cinema de dois andares, com 1500 poltronas estofadas, no térreo, o prédio contava com um restaurante no primeiro andar; um hotel nos dois andares seguintes, e um salão de festas no último pavimento. Era um empreendimento que certamente encheu de orgulho, não só a família Tanaka, como também toda comunidade japonesa, que saía da triste situação do pós-guerra, quando o seu país foi derrotado. O ano era 1953, e o primeiro filme exibido foi “Genji Monogatari”, traduzido como “Os Amores de Genji”. Todos os filmes eram legendados e toda segunda feira entrava um novo filme no projetor. 20 mil pessoas passavam pela sala todas as semanas. Ao contemplar a alegria dos japoneses que lotavam sua casa, Yoshikazu resolveu ser ainda mais ousado para dar ainda mais alegria ao seu público: foi ao Japão buscar os protagonistas dos filmes para se apresentarem na estréia das películas. Isso aconteceu várias vezes, e um dos convidados foi
Koji Tsuruta, um galã na época. Nessas ocasiões, o convidado se hospedava no hotel da família, e as recepções aconteciam na ampla sala da casa de Susumu. Sua filha,
Zelinda, ainda se lembra dessas festas, quando a sua casa ficava cheia de destacadas personalidades da época.
______ Zelinda, em 1962 (Acervo pessoal)
Com o sucesso do
Niterói, mais três salas surgiram no mesmo bairro para atender ao público nipo-brasileiro. Muitos filhos de agricultores vinham para estudar e trabalhar em São Paulo, tendo como referência essas salas. E com isso, a
Liberdade acabou se tornando o
“bairro japonês".
Comerciantes como Hirofumi Ikesaki, confessaram que se instalaram na região atraídos pelo grande movimento do
cine Niterói. Apesar de a região contar com a Rua Conde de Sarzedas, onde se instalaram os primeiros
imigrantes japoneses em São Paulo, durante a Segunda Guerra Mundial eles foram forçados a deixarem o local, e no período pós-guerra, muitos comerciantes se dirigiram para as proximidades da Praça da Sé. A Rua Senador Feijó, por exemplo, abrigava a agência número 001 do Banco América do Sul.
O empresário Katsuzo Yamamoto, aquele do discurso do feijão, almoçava seguidas vezes no restaurante do
Niterói, e foi lá que reuniu seus amigos para tratar da fundação do
Nippon Country Club, que aconteceria em 1960.
A época áurea do cinema passou, quando, em 1968, o local foi desapropriado para a construção da Avenida Radial Leste-Oeste. Com o valor da indenização muito abaixo do real, a família só pôde adquirir um prédio na Avenida Liberdade, onde antes funcionara o
cine Liberdade. Essa sala só tinha 933 lugares. Mesmo assim, a sala não lotava como antes e a obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais acabou por afastar o seu público. Em 1984, o
Niterói parou de importar filmes, e anos depois a sala foi fechada. Os demais concorrentes,
Jóia e
Nippon desapareceram na mesma década. Nenhum resistiu à chegada dos videocassetes nas casas.
Curiosidades
1) Os amigos brasileiros de Susumu sempre perguntavam o porquê do nome do cinema, pois Niterói é no Rio de Janeiro, estado que tem rivalidade com São Paulo. Susumu tinha uma resposta na ponta da língua:
Niterói é soma de Nitto e Herói. Nitto é Japão, portanto, significa “Herói do Japão”!
2) Outros cines que se especializaram em filmes japoneses:
Tokyo (fundado em 1954 na Rua São Joaquim – hoje é uma igreja evangélica),
Jóia (fundado em 1958, no final teve o nome de
Shochiku na Praça Carlos Gomes – hoje é uma igreja evangélica),
Nippon (fundado em 1959 na Rua Santa Luzia – hoje é sede da Associação Aichi Kenjin). Cada cinema representava uma grande companhia japonesa.
Tokyo exibia filmes da
Nikkatsu,
Niterói da
Toei,
Nippon da
Shochiku, e
Jóia da
Toho.
3) O
cine Nippon pertencia à família Mizumoto, que tinha (e tem) uma loja de presentes na Rua Galvão Bueno. Depois do fechamento desse, ela assumiu o
cine Jóia, mudando de nome para
Shochiku, que é a companhia que representava.
Texto extraído do site Cultura Japonesa.
Leia, também, o texto
“A Cinelândia da liberdade” de Lucia Nagib (crítica de cinema japonês e professora da Universidade de Campinas) publicado no site
*Fundação Japão.
* Fundação Japão - É uma organização vinculada ao Ministério das Relações Exteriores do Japão, estabelecida em 1972, cujo objetivo é promover o intercâmbio cultural e a compreensão mútua entre o Japão e outros países. O escritório em São Paulo foi inaugurado em 1975 e desde então, atua como uma porta de comunicação entre a Fundação Japão e o Brasil, desenvolvendo diversas atividades. A Fundação Japão desenvolve seus programas e atividades nas três categorias principais seguintes:1) Intercâmbio Artístico e Cultural - 2) Ensino da Língua Japonesa no Exterior - 3) Estudos Japoneses no Exterior e Intercâmbio Intelectual. Além disso, como parte da reforma estrutural de maio de 2004, foi criado o Information and Resource Center para prover informações e incentivar o intercâmbio internacional. Local: Avenida Paulista, nº 37, 1º e 2º andares - Paraíso - 01311-902 - São Paulo - SP - Tel.: 11 3141-0110 / 3141-0843