Por Edu
Felistoque (Cineasta e produtor cinematográfico brasileiro).
Texto exclusivo para o blog Salas de Cinema de São Paulo.
No cinema, Edu Felistoque, produziu os longas ‘400 Contra Um, Uma
Historia do Crime Organizado’ (2010), de Caco Souza e o documentário ‘Mazzaropi’ (2013), de
Celso Sabadin.
Dirigiu os longas ‘Soluços e Soluções’ (2000), ‘Inversão’ (2009)
e os filmes da série cinematográfica ‘Trilogia da Vida Real’.
O cineasta Edu Felistoque |
‘Insubordinados’ (2015), com roteiro de Silvia
Lourenço, foi o primeiro filme da série ‘Trilogia da Vida Real’. ‘Toro’ e ‘Hector’,
com roteiros de Júlio Meloni, respectivamente, segundo e último filme da
trilogia, estrearam no cinemas em 24 de novembro de 2016.
Os filmes da série cinematográfica 'Trilogia da Vida Real' |
Produção, divulgação e
distribuição dos filmes brasileiros : erros e acertos
Para refletir
sobre o problema de pouco alcance do público aos filmes brasileiros, mesmo com
a produção de centenas de obras, temos que investigar as origens do tal
problema que, em minha opinião, se definem nos 7 tópicos abaixo:
1.
O ‘Cinema Novo’,
movimento cinematográfico brasileiro criado em 1952, foi necessário por gerar novas
e geniais reflexões politicas. Suas produções ganharam prêmios em festivais e reconhecimento
internacional, mas nasceu divorciado do grande público brasileiro, por causa da
adoção de uma abstrata linguagem, causando uma forte rejeição por parte desse
público. Ainda hoje percebemos essa rejeição quando falamos de ‘cinema de arte’ ou, até mesmo, ‘cinema brasileiro’.
O cinema que mantinha um
bom diálogo com o público, antes do movimento ‘Cinema Novo’, era composto de
filmes populares, de entretenimento, na maioria comédias, como as famosas ‘Chanchadas’,
brutalmente atacadas pelos ‘cinemanovistas’, que alegavam uma séria falta de
identidade brasileira nos filmes ‘americanizados’ da época. Logo entraram em
declínio e, mais tarde, deram lugar à teledramaturgia na TV.
A comédia, esse gênero
bem mais ‘comercial’, faz ainda muito sucesso, mas utilizando-se de uma
linguagem televisiva, junto de seu elenco conhecido, para que o público
continue no clima e na linguagem das novelas de TV, já que está tão acostumado.
O ‘Cinema Novo’ não poderia substituir as ‘Chanchadas’ e nem as ‘Chanchadas’
deveriam substituir o ‘Cinema Novo’, os dois movimentos deveriam conviver em
paz até hoje!
2.
Exposição e imposição demasiada
da linguagem cinematográfica americana sobre o público brasileiro, que acabou
se acostumando com eles de tal forma que, hoje, causa-se estranheza e intolerância
a outras linguagens, principalmente, a dos filmes brasileiros.
3.
Obviamente, como o
cinema americano dá muito mais lucro aos distribuidores e exibidores de cinema
e TV, esses não querem se arriscar e apostar em obras brasileiras. Isso também é reflexo da larga exposição de obras americanas em nosso território.
4.
Arrogância de muitos
realizadores, produzindo e impondo filmes com linguagens inacessíveis do grande
público. Precisamos pensar nosso cinema, também, como ‘produto audiovisual e de
entretenimento’. Adoro filmes de arte e seus dramas existenciais, mas, por muitas
vezes, as pessoas querem escapar da estressante vida moderna (ainda mais com
esta recente crise politica e econômica), levar a namorada ou a família ao
cinema, comer pipoca, dar risada, se divertir e emocionar-se. Não vejo nada de
errado nisso!
5.
Faltam salas de cinema
com preços mais acessíveis. O preço dos ingressos praticado pelas grandes redes
de exibição é inacessível para muitas famílias. O acesso ao cinema deveria ser
uma contrapartida direta a população mais carente, uma vez que os filmes
nacionais utilizam verbas públicas para fomento, oriundas de impostos.
6.
A inexistência de uma séria
e ampla divulgação dos nossos filmes.
7.
A falta de políticas públicas
e de fomento para filmes brasileiros, nas fases de divulgação e distribuição.
O ‘Ministério da Cultura’
e a ‘Ancine – Agência Nacional do Cinema’ tiveram muitos acertos nos últimos
anos, porém existem alguns erros pra corrigir. Por exemplo: em um edital de
produção, o filme deveria, também, ser contemplado em um possível ‘pacote de
produção’ que contasse com verbas de produção, divulgação e comercialização.
Muitas produções ganham editais, são filmadas, editadas e finalizadas, mas,
depois, ‘jogadas na gaveta’, porque não conseguem verbas para a importante
divulgação e distribuição, tanto no cinema como na televisão.
Creio que muitos
produtores pensam de forma equivocada sobre a relação entre custo e qualidade
de produção, isso não procede! Um bom exemplo é o de nossos vizinhos argentinos
que com seus filmes ‘pé no chão’, trabalham com orçamentos 50% mais baratos do
que os brasileiros e seus filmes alcançam grande sucesso com o público local.
Outros produtores praticam
até hoje uma desnecessária ‘tabela de custos de filmes publicitários’ na
produção de filmes de cinema. Além disso, administrar dinheiro público custa
caro. Temos ainda um sério agravante: o interesse em lucro na captação dos
recursos, já que está estranhamente ‘estabelecido’ que o cinema nacional não dá
lucro!
Tive a felicidade de estudar em Cinecittá (Itália),
aprendi e me inspirei com o ‘Neorrealismo Italiano’, movimento cinematográfico pós-guerra,
que diante de uma Europa com dificuldades enormes, prioridades na saúde e na
alimentação do povo, sem verbas para grandes cenários e equipamentos (parecido
com o Brasil de hoje), cineastas criativos inventaram uma forma mais econômica
e diferente de filmar, adotaram Roma como cenário para suas histórias, uma
personagem sem igual. Criatividade em meio às dificuldades. Essa prática
possibilita firmar novos negócios, inclusive com pequenos e médios empresários
e, também, reduzir custos com cenografia e estúdios, já que todas as cenas são
rodadas em locações reais. A ‘Spcine’ está trabalhando de forma positiva para o
funcionamento de uma eficiente “Film Commission”, que vai diminuir custos e viabilizar, com rapidez
e sem burocracia, autorizações para filmagens nas ruas da cidade de São Paulo. Isso
também é uma forma de divulgação e apresentação de nossas cidades e da nossa
cultura. Os filmes da ‘Trilogia da Vida Real’ que dirigi (‘Insubordinados’, ‘Toro’ e
‘Hector’), foram produzidos com esse
pensamento, que surgiu na gênesis do roteiro do filme ‘Inversão’ (com Gisele
Itie, Wander Wildner, Tadeu Di Pietro e Marisol Ribeiro) e, depois, no inicio
da criação dos roteiros da série televisiva ‘Bipolar’ (com Silvia Lourenço, Felipe Kannenberg, Priscila Alpha,
Rodrigo Brassoloto e Sergio Cavalcante).
“INSUBORDINADOS” foi
lançado em 2015 e, agora, estamos lançando os dois últimos filmes da trilogia, “TORO” e “HECTOR”.
Temos que passar logo
essa fase, essa época difícil, onde alguns críticos e gestores culturais
escolhem defender e apoiar, somente filmes de realizadores que compactuam com
seus pensamentos políticos. Esse preconceito, assim como o de gêneros
cinematográficos, tem que acabar logo. O não preconceito é moderno e produtivo
e, além disso, não dispersa energia, pois já temos oponentes demais para
digladiar, principalmente, os ‘blockbusters’, que não sou contra, mais sim a
favor de termos uma programação semanal de filmes mais eclética e equilibrada,
com muitos filmes brasileiros e outros de diversas nacionalidades (os chamados
‘filmes de arte’), junto das famosas produções norte-americanas.
A maior dificuldade do
cinema brasileiro, sem dúvida nenhuma, é a falta de políticas que proporcionam levar,
de forma mais barata, nossos filmes ao público brasileiro. Não precisa focar
somente em salas de cinema, existe a TV aberta (já que é uma concessão) que
deveria sim, ter uma lei de exibição de conteúdo brasileiro independente, como
a lei da TV paga, nº 12.485.
E tanto para a TV paga como para a TV aberta, deveríamos contar com uma
significativa campanha de divulgação no próprio canal de exibição, com
inserções na grade de comerciais, de chamadas e trailers de 30 segundos dos filmes à serem exibidos na grade de programação.
Já vejo como ótima iniciativa e, com bons olhos, o
programa ‘Quero
Ver Cultura’, a plataforma de vídeo por demanda que foi desenvolvida pelo
Ministério da Cultura, com conteúdos audiovisuais nacionais, como curtas e
longas-metragens, de ficção ou documentários, produzidos com o apoio de
recursos da lei do audiovisual, que os beneficiários do ‘Bolsa Família’ terão
acesso através de um conversor. Este projeto pode alcançar um público de até 60
milhões de pessoas. Só não pode exibir apenas filmes políticos ou ideológicos
e, principalmente, não pode existir o protecionismo partidário dos
programadores e curadores!
O ‘Circuito Spcine’ de salas de cinema, que prioriza a periferia, também é um ótimo exemplo
para levar o cinema nacional ao público brasileiro.
As Leis de incentivo a cultura precisam, urgentemente, de amplas reformas. Existem muitas falhas acontecendo, uma delas é o equívoco
de conceitos e interpretação das leis. O ato de financiar ‘show business’, com
dinheiro de renúncia fiscal para fomento da cultura, chega a ser leviano.
Não sou totalmente contra a utilização de dinheiro
público para o fomento do audiovisual brasileiro e, seguramente, afirmo que os
produtores independentes não devem somente se ater aos mecanismos de fomento
audiovisual, via leis de incentivo e editais. Precisamos lembrar que a palavra ‘fomento’
significa ‘estimulo’, aquilo que anima,
que motiva à realização de algo, e eu compreendo que tal ‘ajuda’ serve como
catapulta, o início de um negócio, que depois, com o tempo, deverá caminhar com suas próprias pernas, para poder gerar credibilidade do real
sucesso, por mérito e não por ajuda política. Não podem existir paternalismos! Estou
me referindo a uma indústria do ‘cinema independente brasileiro’ e não a uma ‘indústria
de cinema dependente brasileiro’ e seus ‘efeitos colaterais políticos’.